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O Hesicasmo: Prática da Oração

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O HESICASMO: A PRÁTICA DA ORAÇÃO NA ORTODOXIA

Mauricio Loiacono

Mestre em Ciências da Religião – UPM

mauloiacono@yahoo.com.br

Resumo: O presente artigo pretende demonstrar uma das mais antigas práticas do Cristianismo Oriental, muito praticado ainda hoje por cristãos do Oriente Médio, Grécia e principalmente da Rússia, exemplificando ao mundo como ser ortodoxo e estar sempre atento às práticas cristãs. Assim sendo, a Oração Perpétua ou Oração do Coração foi e é ainda em algumas regiões, não só da Rússia, mas também de outras regiões do Leste Europeu uma prática constante na qual o cristão ortodoxo daquelas paragens procura sua comunhão pessoal com o Cristo, o mesmo Cristo que introduziu tal prática espiritual quando se afastou para orar no deserto por quarenta dias e quarenta

noites.

 

Palavras-chave: Espiritualidade, Cristianismo Ortodoxo, Hesicasmo, Oração.

Abstract: This article aims to demonstrate one of the oldest practices of Eastern Christianity; much still practiced today by Christians in the Middle East, Greece and especially in Russia, illustrating the world as being orthodox and always be aware of Christian practices. Therefore, the Perpetual Prayer or Prayer of the Heart was and is still in some regions, not only in Russia but also in other parts of Eastern Europe a consistent practice in which the Orthodox Christian seeks his personal communion with Christ, himself who brought this spiritual practice when he moved away to pray in the desert for forty days and forty nights. 

Key-words: Spirituality, Orthodox Christianity, Hesychasm, Prayer. 

1. DEFINIÇÃO

Hesicasmo, do grego hesychia, que se traduz em paz e quietude, identifica a tradição milenar da atitude em se orar ininterruptamente. Meditação e oração na religiosidade cristã, que teve início entre os Padres do deserto no oriente, seguindo para os dias atuais. 

 

Fundamenta-se na busca em ser perfeito a partir da vida terrena, gerando um caminho ao estado de Deificação. Reforça a vontade de uma comunhão completa com Deus e em Deus. 

Uma prática na qual o agir espiritual, terá uma sobreposição plena em relação a atividade corporal, tendo esta segunda um papel preparatório no sentido de organização da pessoa que, irá adentrar à esta dimensão metafísica no uso da alma, e o coração   como órgão controlador desse ato pleno no sagrado. 

A atitude em orar continuamente surge como força reveladora, a qual insere a

pessoa dentro de uma planificação de vazio intenso. Não devemos, entretanto,

similarizar esse vazio a um estado de desolação, mas sim de extrema bonança e contemplação mística ainda que, em algumas vezes isso possa ocorrer de forma contrária, pois não devemos nos esquecer que é uma ação originária no elemento humano, portanto, passível de falhas.

 

Evento de tal monta, o hesicasmo demonstra a grandiosidade imensurável de Deus que, poderá ser observada no homem que o pratica, seguindo preceitos no fortalecimento de uma ideia de abandono, concretizada no Cristocentrismo, ou seja, todas suas necessidades serão absorvidas e providas pelo Cristo, não necessitando o hesicasta do bem profano que rege a humanidade em um consenso geral.

 

2. ORIGEM

Conforme afirmação anterior, o Hesicasmo teve seu preâmbulo entre os Padres do deserto. É uma corrente sólida da Teologia do oriente, a qual se pode remontar a partir de Santo Antão (251 – 356), o qual viveu a maior parte de sua vida em estado eremítico, e é considerado o Pai do Monaquismo Oriental. Terá um grande desenvolvimento em Dionísio (pseudo), o Areopagita, com destacado reconhecimento na pessoa de Máximo, o Confessor (580-662), sendo este terceiro consagrado como o “Pai da Teologia Bizantina”. Antão, Dionísio, Máximo entre outros Padres do deserto, empreendem a doutrina da Deificação, a perseguição do estado perfeito em vida, em um momento que, a pessoa procura dar maior amplitude à substância divina, implícita em si como legado de Deus ao homem nos primórdios.

 

No que toca a Antão, temos conhecimento de sua vida através das palavras de  Atanásio, Bispo de Alexandria que, teria conhecido pessoalmente o pai dos Monges, e concluído a sua biografia entre os anos de 356 e 366, logo após sua morte, quando muitos de seus discípulos ainda estavam vivos. Em relação a isso, devemos explicar que houve um período que, Antão abandona a solidão do deserto e passa a conviver com outros monges, tornando-se pai espiritual destes. Essa obra foi escrita a pedido dos monges ocidentais, até onde já chegara a fama do grande eremita. Esse personagem dos primórdios do hesicasmo é notado pela sua austeridade e na prática de sua ascese.

 

Comenta-se de sua vitória sobre o demônio que, mantinha sobre o eremita constante tentação, porém sempre tendo um resultado infrutífero nestas investidas.  Antão notabilizava-se também pela sua forma de aconselhamento, descritas em várias sentenças, palavras estas que demonstravam o verdadeiro ideal de despojamento, para quem buscasse uma vida plena na espiritualidade, deste eremita retiramos a título de exemplo, a seguinte sentença inserida na obra Palavras dos Antigos: Sentenças dos Padres do Deserto:

 

Um irmão que tinha renunciado ao mundo e distribuído seus bens pelos pobres,

guardando um pouco para suas despesas pessoais, veio procurar o abade Antão.  Informado disso, o ancião disse-lhe: “Se quer ser monge, vá a tal lugar, compre carne, cubra com ela seu corpo nu e volte aqui nesse atavio”. Tendo o irmão assim feito, os cachorros e as aves dilaceraram seu corpo. De volta ao velho, este lhe perguntou se tinha seguido o seu conselho. Como o irmão lhe mostrasse o corpo inteiramente dilacerado, o santo Antão disse: “Aqueles que renunciam ao mundo, querendo guardar riquezas, são dilacerados desta maneira pelos demônios que lhes fazem guerra.” (COMBLIN; MASTERS; FERREIRA, 1985, p.19).

 

       Em outro grande momento do hesicasmo, iremos encontrar Dionísio (pseudo), o Areopagita.  Esse teólogo oriental salienta-nos que, a pessoa ocupa uma posição excepcional, ao estar na missão de fazer-se semelhante a Deus. 

 Com Máximo e João Clímaco, teremos uma desenvoltura da teologia original,

com adequações do pensamento filosófico helênico. Compreendemos a teologia oriental, transfigurando-se em um caráter de ordem abstracionista e subjetivista, antagonizando-se ao conceito cristão ocidental, o qual na moldagem determinou-se à legalidade secularizada, em uma condição de ordem pragmática. O hesicasmo irá refletir a oração constante, também, sob denominações como:

 

oração mística, oração de Jesus ou oração do coração, reveladora de um ardor em mistério, ambientada nos cenóbios desérticos, reprodução nostálgica do ideal dos primeiros Padres do deserto. O cenóbio, em linha geral, apresentava-se como uma comunidade permeada em um estilo de vida pobre e austero, no qual seus habitantes: Os Padres e as Madres do deserto nos transmitiram suas máximas em apotegmas (ensinamentos ou sentenças). Apesar de verificarmos a presença feminina nessa condição mística, não temos

notícias relativas a sentenças registradas pelas mulheres, damos essa ideia a partir da análise dos seguintes escritos inerentes ao assunto como: “A Pequena Filocalia” e as “Palavras dos Antigos”, entre outros correlatos ao gênero.

 

Radicalismo na prática espiritual é a tônica desses escritos deixados pelos  cenobitas. Um conjunto de sentenças edificantes, que apesar de serem proclamadas num tempo que se desgastou por si próprio, são exemplares ao conturbado momento contemporâneo. Nota-se que os orantes contínuos em verdade, não procuram a sombra da institucionalização ou de bases arraigadas em uma sistematização. Apenas perpetravam-se “à fuga do mundo”, e nesse exílio de autoimposição, dedicaram-se a um aperfeiçoamento para além do mundanismo do universo de matéria. A isso, deu-se o nome de “apatheia”, o apartar-se do vício secular, a corrupção entre a relação homem-

Deus. Fazendo menção a esses cenobitas, Segundo Galilea, no livro: A sabedoria dos Padres do deserto, informa-nos que:

 

(...) os Padres do deserto em particular, cultivavam uma espiritualidade basicamente cristã. É certo que em suas expressões e modalidades radicalizaram muitas virtudes e valores, mas para eles isso estava na lógica do batismo e, não de uma vida cristã “superior”. Os padres e Virgens eremitas raras vezes eram sacerdotes, nem pensavam em institucionalizar ou sistematizar sua maneira radical de viver para Deus. Essa maneira de ser cristão foi sempre apresentada pela patrística primitiva como um “segundo batismo”, isto é, como um segundo chamado à conversão, para viver as promessas batismais. (GALILEA, 1986, p.115-116). Citamos, há pouco, nomes como Máximo, o Confessor e João Clímaco, homens que se aprofundaram, através de obras escritas, na exploração do processo de Deificação. João Clímaco (574-649), nos lega a sua Scala Paradigi, totalmente de caráter ascético, nos relatando uma luta contra os defeitos espirituais em suas primeiras 23 passagens (degraus), fechando o escrito com as virtudes nos 7 últimos degraus. Em verdade um manual de moral, onde suas máximas tendem a direcionar quem com ele toma contato a um repensar sobre sua vida, numa atitude reflexiva do que realmente é valido para o viver. 

 

Obra incontestável, que traz o próprio Evangelho de um estado literalmente inerte, para uma vibração nos moldes do espírito crítico e edificante no que toca à espiritualidade. Da Pequena Filocalia, temos a seguinte mensagem deixada por Clímaco, no degrau 21 de sua Scala: todo medroso é vaidoso, o que não quer dizer que todo intrépido seja um humilde; pois os malfeitores, os profanadores de sepulturas, comumente não são medrosos. Alguns lugares nos provocam medo: não hesiteis em ir até eles em plena noite. Se transigires a esse sentimento, por pouco que seja, ele envelhecerá convosco. No caminho, armai-vos  com oração; penetrando no lugar, estendei os braços e flagelai os inimigos com o Nome de Jesus. Não existe no céu e na terra, arma que seja mais eficaz. (Degrau 21). (COMBLIN; MASTERS; FERREIRA, 1984. P.67).

 

3. SIMEÃO, O NOVO TEÓLOGO

 

Posteriormente, muitos absorveram essa inspiração do orar contínuo, e trouxeram para si, muitos discípulos que deram segmento a pratica da hesychia. Um dos mais notáveis foi Simeão, o novo teólogo (949 – 1022). Deste proeminente cenobita, sabemos que, seu nome de batismo era Jorge. Natural de Galate na Plafagônia, filho de distinta família, ocupando em sua mocidade alto posto como funcionário na corte bizantina, até seguir para o mosteiro de Studios, ficando sob a orientação de Simeão, o piedoso de quem se tornou filho espiritual. Segue que se aprofundou radicalmente na oração contínua, tendo arroubos místicos, situação que causou certa apreensão entre os demais monges, os quais acabaram por desligá-lo da comunidade. A partir daí, foi viver no Mosteiro de São Mamede (São Mamas), onde se tornaria abade. Devemos salientar, entretanto, que não deixou jamais de orientar-se com seu pai espiritual em estudos, ou furtar-se aos seus conselhos.

 

Sua severidade foi notória enquanto, orientador espiritual daquele mosteiro e,

após 15 anos, achando-se incompreendido, deixou o lugar indo habitar em um oratório sob ruínas em Paloukas, e com a companhia de outros monges, formou um pequeno cenóbio, terminando ali os seus dias, após uma vida de sofrimento, mas, repleta na graça divina, uma vez que a oração mergulhada na sinceridade foi o seu sustentáculo verdadeiro, fato este que lhe confere a denominação de teólogo. “Só é teólogo quem ora” - Evágrio Pôntico (399). A máxima desse monge cabe inteiramente à pessoa de Simeão. Fazemos essa afirmação, uma vez que, entendemos por teólogo, um estudioso, um intérprete que acaba por criar conceitos em relação às coisas de Deus. Todavia, o personagem sobre o qual ora comentamos, em verdade dizia-se um iletrado, um ignorante. Não um analfabeto, mas impotente, dentro de um consenso cultural, apesar disso não condizer a uma verdade cristalizada, mas sim em relação à sua humildade, virtude peculiar de um verdadeiro praticante do hesicasmo. 

 

Nas sentenças deixadas pelo novo teólogo, constantes na obra Oração Mística,

encontramos uma totalidade cristocêntrica, fundamentada na apatheia, como podemos verificar no exemplo abaixo:

 

Monge é aquele que se preserva do mundo e se entretém continuamente a sós com Deus. Ele vê, ama-o, é visto e amado por ele. Iluminado de modo inefável, torna-se luz. Glorificado, acha-se sempre mais pobre. Íntimo, sente-se como um estranho.Ó maravilha admirável e inexprimível! Minha riqueza infinita me faz indigente. Penso nada possuir quando tenho tanto! Digo: “tenho sede”, na superabundância da Água. “Quem me dará” o que já tenho demais? “Onde encontrarei” aquele que vejo a cada dia? “Como conseguirei” aquele que já está em mim e está fora do mundo porque é totalmente invisível?  - Quem tem ouvidos para ouvir ouça e compreenda as palavras do iletrado. (hino 3) (COMBLIN; MASTERS; FERREIRA,1985, p.13-14) 

 

A cristocentricidade e a apatheia, em verdade, determinam um reducionismo no qual o homem experimenta o desvencilhamento de desejos materializados, os quais podem até sugerir  ideal de riqueza em seu aspecto profano porém, pobre em seu conceito pois, pode ela ser consumida pelas ações da cronologia comum, por outro lado, terá conhecimento da riqueza duradoura no tempo do Criador, (termo aplicado somente a Deus,  porque o ato de criar, sugere a configuração de elementos a partir do nada, ou seja, somente Ele, tem esse privilégio. Já o homem é criador, pois a ele foi dado o poder de criar a partir de algo já existente, criação de outrora, em período inimaginável pela consciência comum.) ( o grifo é nosso) As obras de Simeão, o novo teólogo, são repletas de citações bíblicas anexas a tradição oriental e, nota-se nelas também a influência da Patrística grega. 

 

  A mensagem de Simeão, além do cristocentrismo nela implícito, é apoiada pelo pneuma na santificação e na divinização do batismo. No Oriente, Simeão é considerado um homem de Deus em cujo conjunto da obra escrita, toda ela basicamente originária em sua experiência pessoal, na intimidade com o Pai, acabaram por colocá-lo entre os sucessores de João “Evangelista” e Gregório de Nazianzo.

 

4. OS DESERTOS

 

O deserto, no que se refere ao hesicasmo, é um dos fundamentos principais para a prática da intimização com Deus.  A bucolicidade dessas regiões, onde impera a solidão, leva o monge à transcendência para seu próprio interior. Ao permanecer no deserto, o hesicasta terá a plena condição de meditar em espírito, pois ficará desgarrado do mundanismo imperativo no mundo citadino, ouvindo sua voz que emana da alma, para além de uma razão limitada pelo consciente, fugindo a visão das alegorias passageiras. Davi em um trabalho denominado, O Deserto Interior, sugere-nos o seguinte:

 

Ao interiorizar o deserto, o próprio homem se torna deserto. A terra deserta, por si mesma, já é destituída de ornamento, e o homem se desnuda da criação. A abertura através do deserto poderá realizar-se a fim de ultrapassar o Deus face à criatura e, com isso atingir Aquele do qual não é possível nem sequer murmurar Alguma coisa e  no  qual  a  alma se mantém “nativa”. ( DAVI, 1985, p.128) Não devemos deixar de mencionar as dificuldades que existem para o cumprimento de tal prática, e o processo de tentações às quais o hesicasta é exposto; mas, se estiver disposto a manter-se na retidão que se auto propôs quando de sua renúncia à vida passada, poderá atingir o objetivo de “estar” verdadeiramente mirando a Face indizível, não só num estado de olhar, e sim praticamente, amalgamar-e à essência divina.

 

Os desertos do Egito, Síria e Palestina, são sempre citados ao falarmos do abandono feito pelos hesicasta. Compreendidos como  caminhos para o deserto interior. Dentro da  tradição cristã, conforme comentários de  Leloup, em seu Deserto – Desertos, nos proporcionam três formas de experiência: - O deserto como fuga do mundo, como o lugar do combate e da luta corpo a corpo com o demônio: o deserto dos ascetas. - O deserto como fuga para os braços de alguém, lugar de encontro e das núpcias com o absoluto: o deserto dos místicos. - O deserto como experiência do nada e da vacuidade (vaidade) de todas as coisas, lugar de lucidez onde todos os entes sensíveis e inteligíveis se revelam na sua impermanência; o deserto dos metafísicos. (LELOUP, 1998, p.29) Não devemos, todavia, procurar entender essas três realidades de maneira separada, e sim encará-las na sua simultaneidade ou na complementação uma da outra.

 

São estágios de uma transformação, que remetem ao vivente nessa bela “desolação”, à um estado de purificação plena, indicando uma abertura das correntes que o prendiam nas algemas do desconhecimento. Isso acaba então por remontar os primórdios que cristalizam sua real origem: “Filho de um Deus que não cessa de gerá-lo.” (Idem, ibidem, p.29). No deserto, o asceta morre para o mundo. Esta morte ocorre em corpo e espírito. O corpo deve deixar de reagir  normalmente necessidades da carne, conforme já estivemos falando anteriormente, deve ter domínio sobre a sede, a fome, a fadiga e o sono. Esta morte do corpo ocorre dentro da meta de se criar um novo corpo. É o estado constante da aphateia. Uma ausência total de sensibilidade, transmutando-se para uma condição de impassibilidade, apatia, à cólera, ao medo, aos desejos, em total exclusão aos do universo emocional, não mais vivendo sob as ordens do coração.

 

Em relação a isso, buscamos uma explicação sucinta em Macário, através de um questionamento feito por este monge, que retiramos do trabalho de La Carriere, Padres do Deserto: Homens embriagados de Deus: (...) é um sepulcro (o coração). Quando o príncipe do mal e seus anjos moram nele, e as potências de satã passeiam em vosso espírito e em vossos pensamentos, não estais mortos para Deus? (LA CARRIERE,1996, p. 244) O coração é o cofre das emoções, lá elas se regeneram e se fortalecem, indo diretamente, contra a retidão pretendida pelo homem em relação a Deus. Existe então a necessidade de recusa a tais emoções e, direcionar o órgão vital, para outro segmento que, o torne favorável à atitude de resignação, tirando-o da condição de canalizador ao pecado. Afirmamos que, o deserto é o habitat natural do Eremita e dos cenobitas, pois uma vez que, tanto uma como a outra dessas situações de retiro, fosse na solidão da pessoa consigo mesma, ou em um grupo monástico, ser-lhes-ia impossível adentrar a essa elevação se, não compartilhassem da imensidão vazia, que revela seu espaço para o recebimento do Amor Indescritível, para além da vã experiência humana.

 

Recorrendo outra vez a obra de Leloup, evidenciamos a belíssima passagem:

Chega-se ao deserto no dia em que se descobre que ele sempre esteve ali. O que nos escondia o deserto? Um certo conforto. Um certo esquecimento. Mas lá estava ele fiel, tenaz. Havia apenas ilusões.  A perder Algumas honrarias Descobre-se a si mesmo No dia em que se descobre Como tendo sido descoberto... O rei sempre estava nu Debaixo das armaduras. (1998, p.68) Não compreendam essa abnegação como uma troca fácil, pois o príncipe do mal, conforme muitos testemunhos dos ascetas, estava vigilante a estas atitudes. Citamos ao falar de Antão, que ele havia sido tentado muitas vezes pelo demônio, mas por ser um homem de têmpera, firme na sua proposta, soube imitar Cristo e livrou-se da investida do mal. Ao fazer isso, o Pai dos Monges forjou sua própria identidade, tal qual Moisés e Maomé, tal qual Jesus Cristo, que após seu despojo enquanto estava no deserto soube derrotar o maligno e partir para sua missão redentora.  

 

Em outros o mesmo não acontece. Sente-se em alguns que procuram o deserto, o não alcançar o seu próprio “deserto”, pois no limiar desta caminhada pela “bela desolação”, são compelidos ao retrocesso, um estado saudoso apodera-se do pseudo - asceta, fazendo com que perca seu trajeto. O termo grego para designar essa recaída sob forma de saudosismo à matéria denomina-se lupé, um estado de tristeza e frustração. Em seus Escritos sobre o

hesicasmo, Jean Ives Leloup, faz a seguinte reflexão no tocante ao assunto:

 

A tristeza visita o monge quando sua memória lhe apresenta os bens ou prazeres que ele abandonou voluntariamente como sendo de novo desejáveis... Ele sonha com uma casa, uma família, sonha principalmente em ser reconhecido e ser amado... O espaço da carência é o próprio espaço do deserto para o qual ele se retirou. Mas, como algumas vezes a carência é muito grande e o deserto muito árido, não estaria o monge correndo o risco de perder sua humanidade? Ele veio buscar alegria e encontrou a cruz. (LELOUP, 2004, p.65) Isso demonstra que a prática não é algo fácil, mesmo com os exemplos a partir de máximas retiradas do Evangelho, ou mesmo sob a orientação espiritual de um monge que guarde maior experiência nessa forma de oração.  Para atingir o resultado desejado, a persistência torna-se peça fundamental. É necessário ser adulto. Ou seja, assumir a carência  que irá se interpor entre o ideal de deificação e aquele que busca este estado, saber compreendê-la e posteriormente, deixa-la uma vez que, na plenitude de seu deserto intimo, ela não mais existirá. Dessa situação, deve-se retirar o que é positivo, porque a frustração na ordem material, que muito se revela também no afetivo, poderá nos conduzir ao infinito que só o “Infinito” pode preencher.

“Fizeste-nos para Ti, Senhor, e nosso coração não repousará senão em Ti” (Santo Agostinho).

 

5. OUTROS TRAJETOS DO HESICASMO

 

5.1. O Monte Athos

 

O método do hesicasmo, não ficou permeado entre os Padres do Deserto apenas, seja na condição eremítica ou cenobítica.  A oração continua renasce com força em outras localidades, para fora do Egito, Síria e Palestina, as quais, o ambiente proporciona condições favoráveis a quem estiver pretendendo fugir do mundo, encontrar o seu deserto interior e conviver em intimidade com Deus, chegando no estágio de Deificação. Inicialmente, falaremos sobre o Monte Athos. Ponto alto de uma quase ilha de 60 Km de cumprimento e 10 km de largura situada no mar Egeu, é desde o século X um importante centro religioso da Igreja Ortodoxa. A maior parte dessa quase ilha é constituída por colinas revestidas de florestas, enquanto no litoral foram construídos altos mosteiros fortificados, no meio dos quais se encontra o Katholicon, a igreja principal, vermelha, diz-se , como o sangue dos mártires. No cume do monte ergue-se a

capela da Transfiguração.

 

Conhecida como montanha santa, é uma das últimas colônias monásticas do Oriente Cristão. Constitui uma república de monges, que depende da jurisdição

canônica do Patriarcado de Constantinopla, sob a proteção política da Grécia e onde os representantes de vinte mosteiros autônomos formam  a comunidade santa. Vedado a toda presença feminina, favorecem a sublimação mística do amor  e do nascimento do homem para a eternidade. Eremitas começaram a instalar-se no promontório antes de 850, sob a direção espiritual de um Protos. Em 963, o monge Atanásio, de Trebizonda, auxiliado pelo imperador Nicéforo II Focas funda o primeiro mosteiro, a Grande Lavra, segundo a regra de São Basílio. Saqueado pelos cruzados (1204) e pelos catalães (1307). Durante o domínio turco, a comunidade passa a manifestar certo declínio intelectual.

 

Pode, porém salvaguardar sua autonomia através do pagamento de tributos. Durante o século XIX, e até a revolução de 1917, é o monaquismo russo que domina a montanha santa. Conta atualmente com apenas 1300 monges, contra 7000 em 1912 e 15000 no séc. IV. Devido à orientação cada vez mais terrena e social do cristianismo, o monaquismo atonita, ligado a uma sociedade tradicional e agrária, refugia-se na contemplação escatológica.  O monaquismo atonita é puramente contemplativo, atado ao trabalho manual. A tradição hesicasta persiste com força na montanha, mas devemos compreender que não é uma prática comum a todos os monges, a via da união silenciosa com Deus, é praticada apenas por alguns monges ainda ligados ao ideal eremítico,  que se unem sob a orientação de um mestre espiritual livremente escolhido. Ainda que na atualidade, o hesicasmo não seja prática comum entre todos os monges atonitas, a montanha sagrada figura entre um dos mais importantes centros de oração contínua.

 

Em relação ao hesicasmo atonita, Jean Ives Leloup, remete-nos para a década de sessenta no século XX, destacando que praticamente nada mudou nesse ato pela busca da deificação, e na obra de sua autoria: Escritos sobre o Hesicasmo, anteriormente citada, relata-nos no preâmbulo do livro o método de orar continuamente segundo o ensinamento de um Padre, conhecido por Serafim. Uma metodologia fundamentada em uma pedagogia ressonante na dureza, que exige de seu praticante um grande esforço físico. Meditar como uma montanha: Assentar-se como uma montanha, isso  quer dizer tomar peso: estar carregado de presença (...) permanecer assim imóvel, de pernas cruzadas, a bacia mais  alta  que  os  joelhos  (...) estar sentado em uma montanha é ter a eternidade  diante  de  si,  é  atitude correta para quem quer entrar na meditação: saber que ele tem a eternidade  atrás, dentro  e  diante  dele. Antes de construir  uma  igreja era preciso ser Pedra, e sobre esta pedra (esta solidez imperturbável  da  rocha)  Deus   podia  muito  bem construir sua igreja e fazer do corpo do ser humano seu templo. (Op. Cit. p.13-14)

 

 Essa é a introdução de uma série de meditações, como: meditar como uma papoula, meditar como o oceano, meditar como um pássaro e meditar como Abraão. Uma série de exercícios que vão preparando o monge um sentido em que ele culminará fazendo a meditação como fez Jesus. Conforme Leloup, ainda ao citar o Padre atonita Serafim, nos é explicado que no meditar como Jesus, a pessoa deve se desligar de toda forma de sentimento ruim, que possa interferir negativamente na prática, demonstrar o amor incondicional ao inimigo, dar-se de forma total ao seu próximo, não importando quem é. De noite ele (Jesus) se retirava em segredo para orar e murmurava, como uma criança “Abba”, que quer dizer papai... Isto pode parecer um tanto irrisório, chamar de “papai” o Deus transcendente, infinito, inominável, além e acima de tudo!

 

É quase ridículo e, no entanto, era a oração de Jesus, e nesta simples palavra tudo era dito. O céu e a terra se tornam assombrosamente próximos, Deus e os humanos fazem um só... Talvez fosse preciso ter ouvido o filho chamar “papai” no meio da noite para compreender isto... Mas hoje essas relações intimas de um pai e de uma mãe com seu filho talvez não queiram dizer mais nada (...) É por isso (continua Serafim) que prefiro que prefiro não dizer nada, não usar nenhuma imagem  e  esperar  que  o Espírito Santo faça brotar em você os  sentimentos e o conhecimento de Cristo Jesus, e que este “abba” não venha só dos lábios, mas do fundo do coração Quando chegar esse dia, você começará a aprender o que é a oração e a meditação dos hesicastas. (Ibid., p.27).

 

Essas passagens correlatas às páginas iniciais da obra de Leloup, reforçam mais uma vez o abandono, o encontro do deserto interior, onde um amplexo entre o hesicasta e Deus se faz acontecer. Revelando que nesse adentramento ao deserto pessoal, é em verdade deixar um deserto espúrio, onde a pessoa tem sede, mas nunca pode beber a água que se encontra na fonte da sabedoria divina, pois essa fonte não está jamais onde reina o Baal do plasticismo, antagônico à verdadeira essência de Deus.

 

5.2. A RÚSSIA

 

O Cristianismo entre os russos, conforme relatos, teve inicio com a ação do

Apóstolo André desde o primeiro século, relata-nos ainda a história que no século IV, existiam várias dioceses na Rússia meridional. No século X, após o árduo trabalho evangelizador dos Padres Constantinopolitanos, Cirilo e Metódio, a Rússia é verdadeiramente uma nação plena no cristianismo. Um cristianismo que não foi derrotado nem com a revolução socialista de 1917, que sobreviveu ainda que a duras penas, durante todo o regime desenvolvido pelo governo soviético, até o final deste na década de 90 no século passado. Podemos então considerar o hesicasmo entre os russos, como um dos mais importantes elementos dentro da espiritualidade cristã, o qual gerou uma importante obra literária que junto com a Pequena Filocalia, pode ser compreendido como um clássico sobre a oração contínua naquela região eslava: O peregrino Russo.

 

Também conhecido como Relatos de um Peregrino Russo, este livro é de origem apócrifa, pois nunca se soube o nome do autor, mas é uma obra impar que nos insere à fé do povo russo e sua ligação com os mistérios. Prendendo-nos ainda um pouco mais sobre esta obra que, poderemos chamar “O manual Russo do Hesicasmo” (as aspas e esse outro título são nossos), sua trajetória pode ter se iniciado no Monte Athos, escrito por um monge russo que por lá habitava, cujo nome não sabemos, e que mais tarde esse texto teria chegado às mãos de Padre Paisius, abade do Mosteiro de São Miguel Arcanjo na cidade russa de Kazan  que, teria feito uma cópia do texto atonita e a partir daí, sido

através dos tempos publicado em diversas línguas, fato este que não alterou sob forma alguma o caráter dos escritos no que toca a sua autenticidade. Estas informações foram colhidas de acordo com o prefácio de uma edição de 1844.   

 

Fundamentados em uma edição brasileira da obra, notamos as atitudes do personagem, que seria um camponês na faixa de 33 anos, dedicando sua vida à

peregrinação na constância da oração perpétua, tendo como companheiros dois livros: A Bíblia e a coletânea Patrística conhecida por Filocalia. Seguindo a tradição hesicasta nesse constante peregrinar, o autor nos coloca em contato com paisagens e personagens junto aos quais, o peregrino trava conversações e, proclama a espiritualidade cristã, e muitas vezes nesses encontros acaba por retirar lições que iluminam ainda mais seu viver e a missão que nele inseriu-se: A busca da deificação em vida. ao redor é a terra russa, planície imensa a perder de vista, florestas desertas, hospedarias à beira das estradas, igrejinhas pintadas de novo, com  sinos que cintilam. Entretanto, o camponês não se detém jamais para descrever as aparências sensíveis. Cristão Ortodoxo, ele está a procura da perfeição, sua preocupação é o absoluto. (COMBLIN; MASTERS; FERREIRA, 1985, p.7)  

 

A não preocupação com o meio geográfico e o que nele se insere, está de acordo com a prática hesicasta , refletindo  a Apatheia uma vez que o personagem verifica-se imerso em seu deserto pessoal e, para ele toda composição de matéria ao seu redor, não tem qualquer significação. É consciente que todo o cenário do mundo pode desviá-lo de seu trajeto místico, ainda que esteja em um plano material. Sabe também que, por ser humano é passível de revogar a virtude apática destruindo o que vem alcançando nessa

caminhada. Teme perder a Deus, com quem se encontra em seu deserto intimo. Pela graça de Deus, sou homem e cristão; pelas ações, grande pecador; por estado peregrino sem abrigo, da mais baixa condição, sempre vagando de déu em déu. De meu tenho às costas uma sacola de pão seco, na minha camisa a santa bíblia, e eis tudo. (Idem, p.13) O peregrino deixou tudo, baseando-se na leitura da Epístola aos tessalonicenses, na passagem que diz: “Orai sem cessar”, questionando-se sobre esta possibilidade de orar todo o tempo com o espírito, pois as atividades profanas, ligadas ao trabalho não permitiriam tal ocorrência, que foge à oração tradicional. Procurou as respostas para tal dúvida e não a encontrou prontamente. Será em um pequeno livro que lhe foi ofertado, que começa a ter suas dúvidas sanadas. O livro em questão era da autoria de São Dimitri de Rostov (1651-1709) denominado: A instrução espiritual do homem interior.   Este santo é também responsável pelo menólogo russo: calendário litúrgico que contém a vida dos santos na ordem de suas festas.

 

Nesse contexto, o peregrino passa a conviver entre monges que lhe apresentam a Filocalia, e na leitura desse livro, toma contato com as passagens de Simeão, o novo teólogo e seus exercícios de paciência: permanece sentado no silêncio e na solidão, inclina a cabeça, fecha os olhos;

respira mais devagar, olha, pela imaginação, para o interior de teu coração, concentra tua inteligência, isto é, teu pensamento, da  tua  cabeça  para teu coração. Dize ao respirar: Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim, em voz 

baixa ou simplesmente em espírito. Esforça-te para afastar todos os pensamentos, sê paciente e repete muitas vezes esse exercício. (Idem, p.23)  Auxiliado por um monge, lê outras passagens da Filocalia, e passa a compreensão dos apotegmas constantes nesse livro. O monge em questão, é o orientador espiritual do peregrino. Conforme os hesicastas, é imprescindível principalmente na modernidade, que quem se propuser à prática da oração do coração, tenha um orientador nesse sentido, pois se não houver um controle harmônico entre corpo e espírito, pode o praticante chegar às raias da loucura.

 

Se o praticante no inicio do exercício, não quiser o orientador, pode apegar-se na orientação dos Evangelhos. Todavia, os Padres hesicastas sempre afirmam que, o meio mais seguro ao neófito, é ter a orientação de um guia já experiente na prática. Michel Evdokimov, autor de célebres obras a respeito da ortodoxia, em seu Peregrinos Russos e Andarilhos, fala-nos sobre o ato de recitação da

oração mística: Confortado pelo conselho do staretz, o peregrino se submete à grande ascese hesicasta,começando a recitar todos os dia 3000 invocações  ao  Senhor Jesus Cristo, e aumentando progressivamente a dose medida de suas capacidades espirituais  e  psíquicas, até  atingir a marca de 6.000  e  12.000 invocações, para finalmente deixar de contar, pois  a oração de Jesus entrara nele, associada  à  respiração e aos batimentos  cardíacos. Na pessoa desaparecem a dispersão da atenção e o saltitar de um estado emotivo para outro. À luz serena do nome de Jesus o ser recompõe sua unidade, e na heróica empreitada da oração perpétua, recupera paradoxalmente a verdadeira liberdade. (EVDOKIMOV, 1990, p.168)

 

Evidentemente, o peregrino consegue o desprendimento necessário e torna-se

um verdadeiro orante contínuo, pois a máxima desse tipo de oração mística é conseguir fazê-la vinte e quatro horas por dia, tendo nas batidas do coração, o ritmo da formula que há pouco expusemos, na citação de Simeão, o novo teólogo. O peregrino russo é então, um símbolo da oração constante, pois visa demonstrar como um homem comum pode deixar todo o falso brilho e capturar dentro de sua pessoa a substância divina e moldá-la no sentido de ampliação da mesma. Acreditamos que toda pessoa que resolver aderir a esta praticidade hesicástica, deve ter em mãos essa obra, sempre acompanhada da Bíblia e da Filocalia, e de um orientador espiritual. Elisabeth Behr-Siegel, autora de importante obra sobre a oração e deificação na Igreja Russa, nos dá nesta um importante relato sobre o assunto demonstrando passos, para um estado de perfeição em vida, ambientando essa situação dentro de uma mística desenvolvida na religiosidade que emana dessa Igreja. A igreja que vai da estrutura concreta e institucional, a qual irá apresentar muitas falhas no transcorrer de sua história para a figura humana, o verdadeiro templo da Trindade. 

 

Constantes são suas citações de grandes romancistas russos, que impõem às suas obras literárias, muito da mística religiosa, contrastando-a com a problematização do povo em relação ao seu cotidiano, originária no perecível. O horror da miséria humana. E, sobre isso, destaca-se a santidade dos hesicastas, que se elevam para cima de tudo isso, sendo inclusive perseguidos pela igreja institucional contaminada pela sua cumplicidade junto à aristocracia. Uma igreja que rejeitou as práticas espirituais, pois havia perdido o parâmetro de sua missão junto ao homem, sublevando-se contra o modo de vida pelo qual passou o próprio Cristo. Na sua concepção, a igreja russa via na santidade dos staretz, e dos demais hesicastas, um contra senso à realidade que permeava de benefícios materiais a minoria abençoando a miséria camponesa, condutora desses benefícios senhoriais. Ao citar sobre a santidade monástica, Behr-Siegel nos exemplifica o seguinte, em uma passagem de certo modo longa, porém adequada sobre o que ora desenvolvemos neste escrito, citando  sobre um grande hesicasta perseguido no século XVIII, o Starets Paisius Velitchkovsky, e o movimento espiritual desencadeado na Rússia que passou a existir graças a este personagem importante do monaquismo eslavo.

 

Esta passagem retirada do capítulo VIII, Os “starets” dos séculos XVIII e XIX, da obra denominada Oração e Santidade na Igreja Russa, explica-nos o seguinte:

“De um desses perseguidos do século XVIII, o starets Paisius Velitchkovsky, 

partiu  o grande movimento espiritual que, no século XIX, desaguou numa nova

floração de “santos monges”, os starets dos mosteiros de Optima e de Sarov, o

mais célebre dos quais é são Serafim Sarov. A santidade desses homens (...) é

na realidade,  fruto   de   trabalho  espiritual   oculto  que continuou mesmo nas

épocas em que a Igreja oficial  ignorou  ou  perseguiu os  starets. “Por entre as

piores aberrações podia-se encontrar aqui e ali um eremitério silvestre  ou uma

cela de recluso na qual a oração não se calava”. “E até nas cidades, entre os leigos, não só nas cidades perdidas da província, mas também nas capitais, no

meio do ruído da civilização, os „loucos por Cristo, „os simples, os „peregrinos os „bem-aventurados continuavam seu caminho, realizando a façanha espiritual do amor”.

 

Um testemunho dessa vida secreta, oculta aos olhos dos estranhos, são os “Récits d ún pèlerin à son  père  spirituel, que descrevem a vida de um desses „simples que pratica “a oração de Jesus, errando através dos campos e das estepes da Rússia e da Sibéria.”(BEHR-SIEGEL, 1993, p.131-132) Com relação ao hesicasmo entre os russos, temos notícias da sua prática até a ocorrência da revolução socialista em 1917. Com o fechamento da união soviética, bem como as mudanças de ordem religiosa por lá ocorridas após a implantação do regime marxista – leninista, não tivemos mais informações sobre este aspecto místico do cristianismo. Possivelmente a prática manteve sua durabilidade, mas isso fica em um plano questionável, sob hipóteses de difícil compropabilidade, devido às alterações da mentalidade política naquela região que durou até o inicio dos anos 90 no século XX.

 

6. A FORMULAÇÃO DA PRÁTICA HESICASTA OU ORAÇÃO DE JESUS

 

Ao falarmos sobre a prática hesicasta entre os monges atonitas, dando destaque ao Padre Serafim, percebemos que aquele diretor espiritual impõe aos neófitos um enorme sacrifício no que se refere ao controle do corpo, no sentido em que este consiga ficar num estado de tranquilidade. Na verdade a técnica de Serafim é uma das muitas que levam à oração de Jesus, mas devemos entendê-la como uma das mais severas, e necessariamente não precisa ser desta forma. A importância do ato está em conseguir chegar a orar continuamente sem usar os lábios propriamente, apenas o coração. A fórmula desta oração é o mais simples possível; Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim. Muitos adicionam o termo pecador, porém, esse não parece ser de todo essencial na tradição do hesicasmo, entretanto, não existe qualquer impedimento na adição deste vocábulo, que assim transforma a sentença, Senhor Jesus Cristo Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador. Essa adição pode ser considerada desnecessária, visto o fato de todos sermos pecadores, portanto com o acréscimo do termo, estamos apenas confirmando um estado do qual estamos com a praticidade da oração contínua, tentando nos livrar.

 

A partir daqui, recorreremos a uma importante obra escrita por um ocidental, o jesuíta Mariano Bellester, no sentido de implantarmos algumas pistas de como

concretizarmos essa prática contínua: Pronúncia vocal. È imprescindível que a Oração de Jesus seja pronunciada com os lábios, sobretudo no princípio. Os orientais dão grande importância ao próprio som das palavras e aos efeitos que este som se transforma, então, em “vibração espiritual”. Observemos, contudo que a pronúncia vocal é recomendada antes de mais nada ao começar a praticar o método. O que se começou pronunciando com os lábios poderá converter-se mais adiante em “som interior” (BALLESTER,1993, p. 98) Essa invocação é um preâmbulo do caminho espiritual ou seja, reconhece-se como um engatinhar do neófito ao hesicasmo. Uma movimentação para o Nome de Jesus, não apenas sob a orientação de um diretor mas sim, sob o paradigma iluminador do Espirito Santo (pneuma), porque assim esse chamado será em nós uma derivação de nosso próprio espirito.

 

Um monge anônimo da Igreja Oriental, no tangente ao nome de Jesus, em uma obra de sua autoria, a invocação do nome de Jesus, na qual constam apotegmas, todos eles condizentes a nomenclatura do Deus – Homem, vem nos explicar o seguinte em uma dessas sentenças, a de número 17: “Não há um sinal infalível de que somos chamados ao caminho do Nome. Pode haver, entretanto, alguns indícios desta vocação que devemos considerar com humildade e cuidado. Se nos sentimos impelidos à invocação do Nome, se esta

prática produz em nós um aumento de caridade, pureza, obediência e paz; se o

uso de outras  orações  está  tornando-se  um pouco difícil, podemos concluir,

não sem razão  que o caminho do Nome está aberto a nós. (COMBLIN;  MESTERS;  FERREIRA,  1984, p. 37) A soberba pode enganar! Ou seja, não devemos nos ludibriar por um falso chamado. Para efetuarmos esta invocação, projetando o seu objetivo final que ocorre inteiramente em nosso espírito, devemos estar repletos da luz que emana das benécies mencionadas no apotegma, mais uma vez temos a revelação da apatheia ou seja, se ainda tivermos ranços oriundos ao mundanismo material, estaremos cometendo um

erro, o qual impedirá de que se atinja a comunhão pretendida com Deus. O repetir da fórmula, tornar-se-á um mantra sem fundamentos, preso meramente ao campo da racionalidade.

 

Em verdade, não estaremos inseridos no deserto interior, e sim numa dimensão

criada dentro da nossa razão. Nisto vemos então a importância da abdicação de tudo o que é palpável e atuante como agente inibidor da imaculação da alma. Se pensarmos bem, o método exposto por Serafim de Athos, apesar de causar a fadiga do praticante na diversidade de fases em que se apresenta, pode muito bem funcionar como força de lapidação da pessoa, a fim que ela realmente se aparte das tentações do século, tendo a oportunidade de caminhar em seu deserto interior, através da magna pureza em seu ato de orar criando nessa dimensão, seu tão almejado encontro. A oração contínua, que invoca incessantemente o nome de Jesus, é embalada no ritmo respiratório do profano:  Descoberta do próprio ritmo. Os hesicastas convidam a pessoa a unir a pronuncia do nome de Jesus ao ritmo de sua respiração. Tudo isto, no começo, pode produzir leve sensação de artificialidade ou de aborrecimento. Bastarão alguns dias de prática para desaparece resta sensação. O que acontecerá é que a consciência demasiado reflexa de respiração irá desaparecendo com a frequência das repetições. Então, o ritmo deixará de ser forçado, embora esta certa violência só tenha ocorrido em nível muito sutil da personalidade. Após haver desaparecido toda espécie de tensão, pode-se dizer que se “respira” natural e tranquilamente o nome de Jesus. Esta é a descoberta do ritmo pessoal da Oração de Jesus, que cada um deve fazer por si mesmo e que só a prática pode revelar. (BALLESTER,1993, p.98-99)

 

Fechando essa parte relativa ao método da oração do coração, nos prenderemos ainda em Ballester, onde ele nos fala sobre a Disciplina diária. Toda atividade provém de um regramento e, o hesicasmo, como percebemos,

não se distancia disso. É imanente de um exercício diário, uma retidão que exige, a todo momento, uma concentração que dissipa do hesicasta todo o cenário ao seu redor, fazendo vislumbrar uma nova realidade no plano metafísico.  Interessante que essa atitude de “apatia”, é perceptível também nos iniciados da Ordem Rosa-Cruz e na Maçonaria, em seus rituais de passagem inerentes a troca de graus, onde a pessoa abandona todo o profano que envolve sua vida, seguindo em peregrinação para a vida espiritual na sua pureza. Na maçonaria, são exatamente trinta e três graus, situação que evidentemente liga-se a tradição sinaíta de João Clímaco, e sua Scala (escada), que já tivemos oportunidade de falar anteriormente. Compreendemos isso como ação arquetípica, no tocante a doação de si mesmo para Deus. Isto é ponto constante nessas duas ordens herméticas, em todo seu conjunto ritualístico:

 

A Disciplina Diária. Certa disciplina e certa ordem diárias nas repetições das

fórmulas são também indispensáveis na verdadeira Oração de Jesus. Repetirei, entretanto, que esta condição como a anterior, só é necessária quando  a  Oração  de  Jesus  se converte  em  centro  de  toda  a   vida  espiritual. (Idem, p. 99-100)  Num sentido de confirmação ao que dissemos em relação a sinceridade de se envolver na oração hesicasta, é preciso  abraçar essa  ideia  de ampliar o conceito do Todo em  nosso todo, revivendo ao menos parte de seu ideal. Dizemos isso pois, sabemo-nos como falíveis, entretanto, deve existir em nós um apelo ao pneuma  para que nos auxilie  na mudança e nos possibilite chegar perto de um estado de consciência, o qual possamos nos reconhecer como mudados, transfigurados no hoje em relação ao ontem. Pois, só existe um Pai, um Filho, um Espírito Santo.  As três Hipóstases são únicas, e só podemos tentar uma aproximação com Elas, jamais ser uma delas. Não estamos em absoluto negando o estado de deificação a que se propunham e propõe os hesicastas, mas somos da crença que, em se pensando no mundo moderno, poderemos alcançar tal condição sagrada, quando “retornarmos” do nosso deserto e depois de havermos comungado com Deus, deveremos buscar o alento do próximo, esteja ele na situação em que se encontrar se assim não for feito, sob aspecto algum nos reconheceremos como deificados, mas mergulhados no pecado do rio da soberba e arrogância, a deriva da verdadeira salvação.

 

Analisemos então esses apotegmas retirados da Filocalia: O átrio da alma racional é o sentido; seu templo, a razão; seu pontífice, o intelecto. Fica no átrio o intelecto pilhado pelos pensamentos intempestivos; no templo, o intelecto pilhado pelos pensamentos oportunos. Quem escapa a uns e a outros é julgado digno de entrar no divino santuário. (ap.158) O ativo deseja a dissolução do corpo e a união a Cristo, por causa dos sofrimentos desta vida. O contemplativo acha melhor permanecer na carne, por causa da alegria que recebe da oração e para ser útil ao próximo. (ap.160). (COMBLIN; MESTERS; FERREIRA, 1984, p. 105) 

 

7. CONCLUSÃO

 

O tema que procuramos explorar dentro do cristianismo oriental, a nosso ver

marca-se pela importância, no sentido da aproximação entre criatura e Criador. Uma proximidade que, se ocorrer verdadeiramente irá gerar uma transformação plena em quem busca o hesicasmo.  Sabemos, entretanto, que não foi de nossa competência abranger o assunto em sua totalidade, pois a prática da Oração do Coração ou Oração de Jesus tem um universo que segue para muito além da cristandade oriental, gerando influências aos séculos posteriores, formadora de uma mentalidade monástica ocidental não puramente contemplativa, mas, adequada aos tempos em que foi sendo inserida. Nosso trabalho ficou conforme pode ser constatado em suas laudas, bastante preso ao oriente, Grécia (Monte Athos) e procuramos enfatizar um pouco mais o mundo russo na região eslava que germinou uma forte gama de hesicastas na figura de grandes Starotz. 

 

O hesicasmo em nossa constatação, hoje primazia quase que total da Igreja Ortodoxa, é elemento de propagação da bem aventurança no interior de seu praticante, uma linda morte em vida. Não vamos compreender esse termo como algo definitivo, mas em verdade um caminho para a verdadeira ressurreição.  Onde o passado é deixado para trás, e uma nova vida ressurge, a exemplo de Paulo às portas de Damasco, quando pode reconhecer o Filho do Homem através da cegueira, uma escuridão que envolvia e removia dele o seu passado, paradoxalmente trazendo a luz para o espírito daquele que seria cognominado “O Apóstolo”. Paulo morria para a vida profana que até então tinha vivido, adentrando em um novo mundo para o serviço da Totalidade sintetizada na Figura de Jesus Cristo. 

 

Assim é o hesicasta. Ele transcende dimensões comuns para caminhar entre as

dunas do plano Sagrado e fortalecer a substância divina que está contida em si. Na realidade, aquele que faz do hesicasmo sua conduta de vida além de descobrir o Deus – Homem, descobre verdadeiramente o seu eu, enquanto ícone do Verbo que se encarnou.

 

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BEHR-SIGEL, E. Oração e Santidade na Igreja Russa. São Paulo: Paulinas, 1993.

BALLESTER, M. Experiências de Oração Profunda. São Paulo: Paulinas, 1993.

COMBLIN, J; MESTERS, C; FERREIRA, M. E. A invocação do Nome de Jesus. 5. Ed.

São Paulo: Paulus, 1984.

______. Palavras dos Antigos - Sentenças dos padres do deserto. São Paulo: Paulinas,

1985.

______. Pequena Filocalia - O livro clássico da Igreja Oriental. São Paulo: Paulinas, 1984.

______. Relatos de um peregrino russo. São Paulo: Paulus, 1985.

______. Simeão, o novo teólogo - Oração Mística. São Paulo: Paulinas, 1985.

DAVY, M.-M; O deserto interior. São Paulo: Paulinas, 1985.

EVDOKIMOV, M. Peregrinos russos e andarilhos místicos. Petrópolis: Vozes, 1990.

GALILEA, S. A sabedoria do deserto – Atualidade dos Padres do deserto. 2. Ed. São

Paulo: Paulinas, 1986.

LACARRIERE, J. Padres do Deserto – Homens embriagados de Deus. São Paulo:

Loyola, 1996.

LELOUP, J-I. Deserto – Desertos. 4. Ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

______. Escritos sobre o hesicasmo – Uma tradição contemplativa esquecida. 2. Ed.

Petrópolis: Vozes, 2004.  

 

Escritos sobre o Hesicasmo

 

 

Editora Vozes, 2003

 

 

Meditar como uma montanha

 

Assim começava para o jovem filósofo uma verdadeira iniciação à oração hesicasta.  A primeira indicação que lhe fora dada dizia respeito à estabilidade.  O enraizamento de uma boa postura. De fato, o primeiro conselho que podemos dar a alguém que quer meditar não é de ordem espiritual, mas física: sente-se.

 

Sentar-se como uma montanha, isso quer dizer sentar-se com peso: estar pesado da presença.  Nos primeiros dias, o jovem teve muita dificuldade em permanecer assim imóvel, as pernas cruzadas, o quadril ligeiramente mais alto que os joelhos (foi nessa postura que ele encontrara a estabilidade).  Uma manhã, ele realmente sentiu o significado de “meditar como  uma montanha”.  Ele estava ali, com todo seu peso, imóvel.  Ele e a montanha formavam um só, silenciosos sob o sol. Sua noção do tempo mudara completamente. As montanhas possuem um outro tempo, um outro ritmo.  Estar sentado como uma montanha é ter a eternidade diante de si, é a atitude justa para aquele que quer entrar na meditação: saber que ele tem a eternidade detrás, dentro e diante de si.  Antes de erguer uma igreja, era preciso ser pedra e sobre essa pedra (essa solidez imperturbável do rochedo), Deus pôde erguer sua Igreja e fazer do corpo do homem o seu templo.  Era dessa forma que ele compreendia o sentido das palavras evangélicas: “És pedra e sobre essa pedra edificarei minha igreja.”

 

 Assim ele permaneceu durante várias semanas.  O mais difícil para ele era passar horas “sem fazer nada”.  Era preciso reaprender a ser, simplesmente ser – sem objetivo nem motivo.  Meditar como uma montanha era a própria meditação do Ser, “do simples fato de Ser”, antes de todo pensamento, todo prazer e toda dor.  O padre Serafim o visitava todos os dias, compartilhando com ele seus tomates e suas azeitonas.  Apesar dessa dieta frugal, o jovem parecia ter ganhado peso.  Seu caminhar estava mais tranqüilo.  A montanha parecia ter entrado na sua pele.  Ele sabia respeitar o tempo, acolher as estações, permanecer em silêncio e ficar tranqüilo como uma terra por vezes dura e árida, mas por vezes também como o flanco de uma colina à espera da época da colheita. Meditar como uma montanha também modificara o ritmo dos seus pensamentos.  Ele aprendera a “ver” sem julgar, como se ele desse a tudo aquilo que brota sobre a montanha o “direito de existir”.

 

Certo dia, alguns peregrinos o tomaram por um monge; impressionados pela qualidade da presença, eles pediram-lhe uma bênção.  Ele nada respondeu, imperturbável como a pedra.  Tendo sabido disso, naquela mesma noite o Padre Serafim começou a lhe dar bastonadas...  O jovem homem se pôs então a gemer.“Ah bom, eu achei que você tivesse se tornado tão estúpido quanto as pedras do caminho...  A meditação hesicasta tem um enraizamento, a estabilidade das montanhas, mas seu objetivo não é fazer de você um cepo morto, mas um homem vivo.” Ele tomou o jovem pelo braço e o conduziu até o fundo do jardim onde, entre as ervas selvagens, eles conseguiam divisar algumas flores.  “Agora não se trata mais de meditar como uma montanha estéril. Aprenda a meditar como uma papoula, mas não esqueça da montanha...”

 

Meditar como uma papoula

 

Foi assim que o jovem aprendeu a florescer...  A meditação é antes de tudo uma postura e foi isso o que a montanha lhe havia ensinado.  A meditação também é uma “orientação” e era isso o que a papoula estava ensinando-lhe agora: voltar-se em direção ao sol, voltar-se do mais profundo de si mesmo em direção à luz.  Aspirar em todo seu sangue, toda a seiva. Essa orientação voltada ao belo, à luz, fazia com que ele às vezes ficasse vermelho como uma papoula.  Era como se a “bela luz” fosse a luz de um olhar que lhe sorria, esperando dele um perfume qualquer...  Junto à papoula, ele aprendeu igualmente que, para permanecer na sua orientação, a flor deveria ter “a haste ereta” e ele começou a endireitar a coluna vertebral. Isso lhe colocou alguns problemas, pois ele tinha lido em alguns textos da Filocalia que o monge deveria estar ligeiramente curvado.  Algumas vezes, até mesmo sentindo dor.  O olhar voltado para o coração e as entranhas. Ele pediu ao padre Serafim algumas explicações.  Os olhos do staretz o olharam com malícia: “Isso era para os fortões d’outrora.  Eles eram cheios de energia, e era preciso lembrar-lhes a humildade da sua condição humana, que eles se curvem um pouco durante a meditação – isso não lhes fará nenhum mal...  Mas você, você tem necessidade de energia, então, no momento da meditação, endireite-se, esteja vigilante, mantenha-se ereto e voltado para a luz, mas sem orgulho... aliás, se você observar bem a papoula, ela lhe ensinará não apenas a retidão da haste, mas também uma certa maleabilidade sob as inspirações do vento e também uma grande humildade...”

 

      De fato, o ensinamento da papoula também estava presente na sua fugacidade, na sua fragilidade.  Era preciso aprender a florescer, mas também a fanar.  O jovem compreendeu melhor as palavras do profeta:

 

 “Toda carne é como a grama e sua delicadeza é como a das flores dos campos. A grama seca, a flor murcha...  As nações são como uma gota de orvalho na beira de um balde...  Os juízes da terra acabarão de ser plantados, sua haste acabou de deitar raízes na terra... e então eles secarão e a tempestade os levará como uma palha.” (Isaías 40). A montanha tinha lhe dado o sentido da Eternidade, a papoula lhe ensinava a fragilidade do tempo: meditar é conhecer o Eterno na fugacidade do instante, um instante reto, bem orientado.  É florescer o tempo que nos é dado a florescer, amar o tempo que nos é dado a amar, gratuitamente, sem porquê, pois para quem?  Por que florescem as papoulas? Assim, ele aprendeu a meditar “sem objetivo nem ganho”, apenas pelo prazer de ser e de amar a luz.  “O amor é a sua própria recompensa”, dizia ainda Ângelus Silesius. “É a montanha que floresce na papoula, pensou o jovem.  É todo o universo que medita em mim.  Que ele possa ficar vermelho de alegria enquanto durar minha vida.”  Esse pensamento certamente era demais.  O padre Serafim começou a sacudir o nosso filósofo e mais uma vez o tomou pelo braço.  Ele o conduziu por um caminho escarpado que levava até a beira do mar, a uma pequena praia deserta.  “Pare de ruminar como uma vaca o bom senso das papoulas... Tenha também o coração marinho.  Aprenda a meditar como o oceano.”

 

 

Meditar como o oceano

 

O jovem aproximou-se do mar.  Ele tinha adquirido uma boa base e uma orientação reta.  Ele estava na boa postura.  O que lhe faltava?  O que o marulhar do oceano poderia lhe ensinar?  O vento se ergueu.  O fluxo e o refluxo do mar tornaram-se mais profundos e isso despertou nele a lembrança do oceano.  O velho monge tinha aconselhado-o, de fato, a meditar “como o oceano” e não como o mar.  Como ele tinha adivinhado que o jovem tinha passado longas horas às margens do Atlântico, sobretudo à noite e que ele já conhecia a arte de acordar seu sopro com a grande respiração das ondas.  Eu inspiro, eu expiro..., depois, eu sou inspirado, eu sou expirado.  Eu me deixo levar pelo sopro, assim como nos deixamos levar pelas ondas...  Assim ele se deixava ser carregado pelo ritmo das respirações oceânicas.  Mas a gota de oceano que outrora “dissipava-se no mar”, guardava hoje sua forma, sua consciência.  Será que isso era o efeito da sua postura?  Do seu enraizamento na terra?  Ele não era mais levado pelo ritmo aprofundado da sua respiração.  A gota d’água guardava sua identidade e, no entanto, ela sabia “ser uma” com o oceano.  Foi assim que o jovem aprendeu que meditar é respirar profundamente, deixar ser o fluxo e o refluxo do sopro.

 

 Ele aprendeu igualmente que, mesmo havendo ondas na superfície, o fundo do oceano permanecia tranquilo.  Os pensamentos vão e vêm nos fazem espumar, mas o fundo continua imóvel.  Meditar a partir das ondas que somos para perdermos o pé e deitarmos raízes no fundo do oceano.  Tudo isso se tornava a cada dia um pouco mais vivo para ele e ele se lembrava das palavras de um poeta que o marcara nos tempos da sua adolescência: “A Existência é um mar incessantemente cheio de ondas.  Desse mar as pessoas normais só percebem as ondas.  Veja como, das profundezas do mar, inumeráveis ondas aparecem na superfície, enquanto o mar permanece oculto nas ondas”.  Hoje o mar lhe aparecia menos "oculto nas ondas”, a unicidade de todas as coisas lhe parecia mais evidente, e isso não abolia o múltiplo.  Ele tinha menos necessidade de opor o fundo e a forma, o visível e o invisível.  Tudo isso constituía o oceano único da vida. No fundo do seu sopro não se encontrava o Ruah?  O pneuma?  O grande sopro de Deus? “Aquele que escuta com atenção sua respiração, lhe disse então o velho monge Serafim, não está longe de Deus.”  “Escute quem está no final do teu expirar.  Quem está na fonte do teu inspirar.”  Realmente, existia ali alguns segundos de silêncio mais profundos do que o fluxo e o refluxo das ondas, e havia ali algo que parecia carregar o oceano...

 

Meditar como um pássaro

 

Estar em uma boa postura, estar orientado em direção à luz, respirar como um oceano... isso ainda não é a oração hesicasta, lhe disse o Padre Serafim.  "Agora você deve aprender a meditar como um pássaro", e ele o levou até uma pequena célula próxima à sua ermida onde viviam duas rolas.  De início, o arrulhar desses dois pequenos animais lhe pareceu charmoso, mas não demorou para que esse som irritasse o jovem filósofo.  De fato, elas escolhiam o momento onde ele estava caindo de sono para arrulhar as mais ternas palavras.  Ele perguntou ao velho monge o que tudo isso significava e se essa comédia iria durar muito tempo.  A montanha, o oceano, a papoula ainda passavam (mesmo que possamos nos perguntar o que existe de cristão nisso tudo), mas, agora, propor-lhe essa ave langorosa como mestre de meditação, era demais!  O padre Serafim explicou-lhe que no Antigo Testamento, a meditação é expressa pelos termos da raiz “haga”, frequentemente  traduzido para o grego por mélété – meletan – e para o latim por meditaria – meditatio. 

 

Em seu sentido primitivo, essa raiz queria dizer “murmurar em voz baixa”.  Ela é igualmente utilizada para designar os gritos dos animais, por exemplo, o rugir do leão (Isaías 31, 4), o piar das andorinhas e o canto da pomba (Isaías 38, 14), mas também o grunhido dos ursos. “Não temos ursos no Monte Athos.  É por esta razão que o trouxe até as rolas, mas o ensinamento é o mesmo.  É preciso meditar com a sua garganta, não apenas para acolher o sopro, mas também para murmurar o nome de Deus noite e dia...”Quando você está feliz, quase sem se dar conta, você cantarola, você às vezes murmura palavras sem sentido e esse murmúrio faz todo o seu corpo vibrar de alegria simples e serena. Meditar é murmurar como a rola, deixar subir em si esse canto que vem do coração, assim como você aprendeu a deixar subir em você o perfume que vem da flor... meditar é respirar cantando.  Sem nos demorarmos muito no significado agora, eu proponho que você repita, murmure, cantarole as palavras que estão no coração de todos os monges do Athos: “Kyrie eleison, kyrie eleison...”  Isso não agradou muito ao jovem filósofo.  Ele já tinha ouvido essas palavras em algumas celebrações de casamento ou enterro; em francês elas eram traduzidas por: “Senhor, tenha piedade”.

 

 O monge Serafim começou a sorrir: “Sim, esse é um dos significados dessa invocação, mas há muitos outros. Essas palavras também querem dizer: “Senhor, envie teu Espírito”...!  Que a tua  ternura esteja sobre mim e sobre todos, que teu Nome seja abençoado, etc...”, mas não procure compreender o sentido dessa invocação, ele se revelará sozinho a você.  Por enquanto, esteja sensível e atento à vibração que ela desperta em seu corpo e em seu coração.  Tente harmonizar pacificamente essa invocação com o ritmo da sua respiração.  Quando os pensamentos o atormentarem, volte suavemente a essa invocação, respire mais profundamente, mantenha-se ereto e imóvel e você conhecerá um início de hesychia, a paz que Deus dá, incomensuravelmente, àqueles que o amam.  Passados alguns dias, o “Kyrie eleison” tornou-se um pouco mais familiar.  Ele o acompanhava assim como o zumbir acompanha a abelha quando ela faz o seu mel.  Ele nem sempre o repetia com os lábios.  O zumbido tornara-se mais interior e sua vibração mais profunda. O “Kyrie eleison” que ele renunciara a “pensar” acerca do seu significado, o conduzia por vezes a um silêncio desconhecido e ele se encontrava na atitude do apóstolo Tomé quando este descobriu o Cristo ressuscitado: “Kyrie eleison”, Meu Senhor é meu Deus.  A invocação o mergulhou pouco a pouco em um clima de intenso respeito por tudo aquilo que existe.  Mas também de adoração por aquilo que mantém-se oculto na raiz de todas as existências.  O padre Serafim disse-lhe então: “Agora você não está longe de meditar como um homem.  Eu devo ensinar-lhe a meditação de Abraão.”

 

Meditar como Abraão

 

Até aqui o ensinamento do stárets fora de ordem natural e terapêutica.  Os antigos monges, segundo o testemunho de Philon de Alexandria, eram, de fato, “terapeutas”.  Seu papel, antes de conduzirem à iluminação, era o de curar a natureza, colocá-la em melhores condições para que ela pudesse receber a graça, a graça que não contradizia a natureza, mas a restaurava e a realizava.  Era isso que o homem idoso estava fazendo com o jovem filósofo, ensinando-lhe um método de meditação que alguns poderiam chamar de “puramente natural”.  A montanha, a papoula, o oceano, o pássaro – tantos elementos da natureza que lembram ao homem que ele deve, antes de ir mais longe, recapitular os diferentes níveis do ser, ou ainda os diferentes reinos que compõem o macrocosmo.  O reino mineral, o reino vegetal, o reino animal...  Frequentemente o homem perde o contato com o cosmos, com o rochedo, com os animais e isso acaba provocando nele todo tipo de doenças, de mal-estares, de insegurança, de ansiedade.  Ele se sente “demais”, estranho e estrangeiro no mundo.  Meditar era primeiro entrar na meditação e no louvor do universo, pois “todas as coisas sabem orar antes de nós”, dizem os padres. 

 

O homem é o lugar onde a oração do mundo toma consciência dela mesma.  O homem está aqui para nomear aquilo que todas as criaturas balbuciam.  Com a meditação de Abraão, nós entramos em uma nova e mais elevada consciência que chamamos de fé, ou seja, a adesão da inteligência e do coração a esse “Tu” ou a esse “Você” que é, que transparece quando chamamos todas os seres pelos seus primeiros nomes.  Essa é a experiência e a meditação de Abraão: atrás do estremecer das estrelas, existem mais do que estrelas, uma presença difícil de nomear, que nada pode nomear e que, no entanto possui todos os nomes... É algo maior do que o universo e que, no entanto, não pode ser compreendido fora do universo.  A diferença que existe entre Deus e a natureza é a diferença que existe entre o azul do céu e o azul de um olhar...  Abraão estava em busca desse olhar além de todos os azuis...  Após ter aprendido a sentar, após ter aprendido o enraizamento, a orientação positiva em direção à luz, a respiração apaziguada dos oceanos, o canto interior, o jovem era convidado ao despertar do coração.  “De repente, você é alguém”. 

 

Aquilo que é próprio ao coração, de fato, é personalizar todas as coisas e, nesse caso, personalizar o Absoluto, a Fonte de tudo aquilo que é, e respira nomeá-la, chamá-la de “Meu Deus”, “Meu Criador” e caminhar em Sua presença.  Meditar, para Abraão, é manter, sob as mais variadas formas, o contato com essa Presença.  Essa forma de meditação entra nos detalhes concretos da vida quotidiana.  O episódio do carvalho de Mambré nos mostra Abraão “sentado à entrada da tenda, na hora mais quente do dia” e ali ele vai acolher três estrangeiros que vão se revelar como enviados de Deus.  Meditar como Abraão, dizia o Padre Serafim, “é praticar a hospitalidade, o copo d’água que damos àquele que tem sede, não se afaste do silêncio, ele o aproxima da fonte.”  Meditar como Abraão, você compreende, desperta não apenas em você a paz e a luz, mas também o Amor por todos os homens.”  E o padre Serafim leu para o jovem a famosa passagem do livro do Gênesis onde se fala da intercessão de Abraão:

 

 “Abraão estava diante de YHWH, Aquele que é – que era – que será.”  Ele aproximou-se e disse: “Vais realmente suprimir o justo junto com o pecador?  Talvez haja cinquenta justos na cidade, vais realmente suprimi-los e não perdoarás a cidade devido aos cinquenta justos que estão no seu seio...?”

 Abraão, pouco a pouco, teve que reduzir o número de justos para que Sodoma não fosse destruída.  “Que o meu Senhor não se irrite e falarei uma última vez: talvez encontremos dez justos...” (cf. Gênesis 18, 16)  Meditar como Abraão é interceder pela vida dos homens, nada ignorar da sua podridão e, no entanto, “jamais desesperar da misericórdia de Deus”.  Esse tipo de meditação liberta o coração de todo julgamento e de toda condenação, em qualquer tempo ou lugar; quaisquer que sejam os horrores que você venha a contemplar, ele chama o perdão e a bênção.  Meditar como Abraão nos leva ainda mais longe.

 

A palavra tinha dificuldade em sair da garganta do padre Serafim, como se ele tivesse querido poupar o jovem de uma experiência pela qual ele próprio tivera que passar e que despertava na sua lembrança um sutil tremor: isso pode nos levar até ao Sacrifício...  e ele citou a passagem do Gênesis onde Abraão se mostra pronto a sacrificar seu próprio filho Isaac.  “Tudo pertence a Deus, continuou o padre Serafim, murmurando.  Tudo é dele, por ele e para ele”; meditar como Abraão o conduz a essa total falta de posse de si mesmo e daquilo que você tem de mais caro... procure aquilo que lhe é mais caro, aquilo com o qual você identifica o seu eu: para Abraão era o seu filho, seu único filho.  Se você é capaz desse dom, desse abandono total, dessa infinita confiança naquele que transcende toda razão e todo bom senso, tudo lhe será dado cem vezes mais: “Deus proverá”.  Meditar como Abraão é não ter nada no coração e na consciência “além d’Ele”.  Quando ele subiu até o topo da montanha, Abraão só pensava em seu filho.  Quando ele desceu, ele só pensava em Deus. Passar pelo cimo do sacrifício é descobrir que nada pertence ao “eu”.  Meditar como Abraão é unir-se pela fé àquele que transcende o Universo, é praticar a hospitalidade, interceder pela salvação de todos os homens.  É esquecer-se a si mesmo e romper os apegos mais legítimos para descobrir-se a si mesmo, nossos próximos e todo o Universo, habitado pela infinita presença “d’Aquele Único que É”.

 

Meditar como Jesus

 

O padre Serafim mostrou-se cada vez mais discreto.  Ele sentia os progressos feitos pelo jovem na sua meditação e na sua oração.  Ele o surpreendera diversas vezes com o rosto banhado de lágrimas, meditando como Abraão e intercedendo por todos os homens.  “Meu Deus, misericórdia, o que vai ser dos pecadores...?”  Um dia o jovem veio até ele e perguntou: “Pai, por que o senhor nunca me fala de Jesus?  Qual era a sua oração, sua maneira de meditar?  Não falamos de outra coisa durante a liturgia e os sermões.  Na oração do coração, como nos fala a Filocalia, é o seu nome que devemos invocar.  Por que o senhor não me fala  nada a respeito?” O padre Serafim tinha o ar perturbado.  Era como se o jovem lhe pedisse algo indecente, como se fosse preciso revelar seu próprio segredo.  Quanto maior é a revelação que recebemos, tanto maior deve ser a humildade daquele que a transmite.  Sem dúvida, ele não se sentia humilde o suficiente: “Isso, apenas o Espírito Santo pode ensinar-lhe.  Ninguém sabe quem é o Filho, senão o Pai; nem quem é o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Lucas 10, 22).  É preciso que você se torne filho para orar como o filho e manter com Aquele que ele chama de seu Pai e nosso Pai as mesmas relações de intimidade que Ele e isso é obra do Espírito Santo, ele o lembrará de tudo aquilo que Jesus disse.  “O Evangelho se tornará vivo em você e ele lhe ensinará a orar como é preciso.”  O jovem insistiu.  “Diga-me alguma coisa a mais.”  O velho sorriu.  “Agora, o melhor que eu tenho a fazer é começar a latir.  Mas você também tomaria isso por um sinal de santidade. Então, é melhor simplesmente dizer-lhe as coisas.”

 

 Meditar como Jesus recapitula todas as formas de meditação que eu ensinei até agora.  Jesus é o homem cósmico.  Ele sabia meditar como a montanha,  como a papoula, como o oceano, como a pomba.  Ele também sabia meditar como Abraão.  O coração não tinha limites, ele amava até seus inimigos, seus carrascos: “Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem”.  Ao praticar a hospitalidade para com aqueles que chamamos de doentes e de pecadores, paralíticos, prostitutas, colaboradores... À noite ele se retirava para orar em segredo e aí, ele murmurava como uma criança: “abba”, o que quer dizer “papai”... Isso pode lhe parecer irrisório, chamar de “papai” o Deus transcendente, infinito, incomparável, que está além de tudo!  É quase ridículo e, no entanto, essa é a oração de Jesus e nessa simples palavra, tudo era dito.  O céu e a terra tornam-se terrivelmente próximos.  Deus e o homem fazem apenas um.  Talvez seja necessário dizer “papai” à  noite para compreender isso...  Mas hoje em dias essas relações íntimas de um pai e de uma mãe com seus filhos não querem dizer mais nada.  Talvez essa seja uma imagem ruim...?

 É por essa razão que eu prefiro nada dizer, não utilizar nenhuma imagem e esperar que o Espírito Santo coloque em você os sentimentos e o conhecimento que estavam em Jesus Cristo e que esse “abba” não venha da ponta dos seus lábios mas do fundo do seu coração. “Nesse dia, você começará a compreender o que é a oração e a meditação hesicastas.”  Agora, vá!

 

O jovem ficou ainda alguns meses no Monte Athos.  A oração de Jesus o conduziu aos abismos, por vezes aos limites de uma certa “loucura”: Não sou mais eu que vivo, é o Cristo que vive em mim” – a exemplo de São Paulo, ele podia dizer essas palavras.  Delírio de humildade, de intercessão, de desejo “que todos os homens sejam salvos e alcancem o pleno conhecimento da verdade.”  Ele tornou-se Amor, ele tornou-se fogo.  A sarça ardente não era mais uma metáfora, mas uma realidade: “Ele queimava e, no entanto, ele não era consumido.”  Estranhos fenômenos de luz visitavam o seu corpo.  Alguns diziam tê-lo visto caminhar sobre a água ou manter-se sentado, imóvel, a trinta centímetros do chão... Dessa vez, o padre Serafim começou a latir: “Chega!  Agora, vá!” e ele pediu que ele deixasse o Monte Athos, que ele voltasse para casa e ali ele veria o que sobrava das suas belas meditações hesicastas!... O jovem partiu.  Ele voltou para a França.  Acharam que ele tinha emagrecido e não acharam nada de espiritual na sua barba de aspecto sujo e seu ar negligente...  Mas a vida da cidade não fez com que ele esquecesse o ensinamento do seu stárets!

 

 Quando ele se sentia muito agitado, sempre sem tempo, ele ia se sentar como uma montanha na varanda de um café.  Quando ele sentia em si o orgulho, a vaidade, ele lembrava-se da papoula, “toda flor murcha”, e novamente seu coração voltava-se para a luz que não passa.  Quando a tristeza, a raiva, o desgosto invadiam sua alma, ele respirava ao largo, como um oceano, ele tomava fôlego no sopro de Deus, ele invocava seu Nome e murmurava: “Kyrie eleison...” Quando ele via o sofrimento dos homens, sua maldade e sua impotência em mudar alguma coisa, ele se lembrava da meditação de Abraão.  Quando ele era caluniado, quando diziam coisas infames a seu respeito, ela ficava feliz por meditar com o Cristo...  Externamente, ele era um homem como os outros.  Ele não procurava ter “ares de santo”...  Ele até esquecera que praticava o método da oração hesicasta, ele simplesmente tentava amar Deus instante após instante e caminhar na Sua Presença...

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